sábado, 6 de outubro de 2012

Poema de Machado

“ Sabes tu de um poeta enorme,
 Que andar não usa
 No chão, e cuja estranha musa
, Que nunca dorme,

 Calça o pé melindroso e livre,
 Como uma pluma
, De folha e flor, de sol e neve,
 Cristal e espuma

, E mergulha, como Leandro
, A forma rara
 No Pó, no Sena, em Guanabara
 E no`Scamandro;

 Ouve o Tupã e escuta o Momo
Sem controvérsia,
 E tanto adora o estudo
, Como adora a inércia;

 Ora do fuste, ora da ogiva;
 Sair parece,;
Ora a Deus do ocidente e esquece
Pelo deus Siva

; Gosta do intrépito infinito
 Gosta das longas
 Solidões  em que se ouve o grito
 Das arapongas

 Se, ama o rápido besouro,
Que zumbe, zumbe.
 E a mariposa que sucumbe
 Na flama do ouro,

 Vaga-lume e borboletas
 Da cor da chama,
 Roxas, brancas, rajadas, pretas
 Não menos ama

 Os hipopótamos tranquilos
 E os elefantes
 E mais os búfalos nadantes,
 E os crocodilos

Como as girafas e as panteras
 Onças, condores,
 Toda casta de bestas-feras
E voadores 

Se não sabes quem ele seja
 Trepa de um salto
 Azul acima, onde mais alto,
 A água negreja;

 Onde morre o clamor iníquo
 Dos violentos;
 Onde não chega o sorriso oblíquo
 Dos fraudulentos

 Então olha de cima posto,
 Para o oceano;
 Verás num longo rosto humano
Teu mesmo rosto;

 E hás de rir, não do riso antigo
 Potente e largo,
 Riso eterno moço amigo;
 Mas de outro amargo,

Como o riso de um deus enfermo,
Que se aborrece
 Da divindade, e que apetece
Também um termo”…

 Machado de Assis
 (Em Papéis avulsos: em homenagem a um amigo.)

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