Depoimento sobre inclusão.
Relatório do Caso Mateus
Junho de 2010, eu trabalhava na Secretaria da Educação, "D E E"
Um dia, a chefe do departamento me chamou, e disse que eu seria enviada à uma escola da periferia para cuidar de uma criança especial, e que se tratava de um caso muito grave. Me passou alguns pormenores, dentre eles, que o caso era acompanhado pelo Conselho tutelar em parceria com a escola, tendo inclusive o monitoramento à família.
Eu a questionei, perguntando: baseada em que você acha que eu posso ajudar nesta causa?
E ela me respondeu, na a sua experiência de vida! É o que eu tenho na mão pra mandar pra lá, é pegar ou largar! Me desejou boa sorte, e lá fui eu.
Quando cheguei na escola, a criança ainda não a frequentava, apesar de já estar matriculada, pois só poderia vir aquando tivesse um cuidador.
Conheci a direção que me colocou a par de toda a situação.
"Posteriormente essa diretora me confessou que quando me viu, pensou consigo: ( Mas não é possível, que além de me receber um caso grave de inclusão, ainda me contemplam com uma agente escolar velha e surda pra cuidadora!)"
Enfim, chegou o Mateus...
Quando eu o olhei, percebi que, aquilo que me disseram se tratar de um caso grave, era na verdade, muito, mas muito mais grave do que se poderia imaginar.
Ele tinha 8 anos, tamanho de 3, e havia começado a andar recentemente, e o fazia com muita dificuldade, isto é, era necessário segura-lo pelas mãos o tempo todo, caso contrário, ele cairia, pois não tinha equilíbrio, direção e força suficiente para caminhar sozinho.
Não falava, chorava o tempo todo e gritava muito. Era inquieto, agitado e se debatia descontroladamente "Só se acalmava no colo ouvindo canções de ninar" Ah, e tinha que ser em pé!
Tinha feridas pelo corpo todo, inclusive na cabeça: daquelas que escorrem e cheiram mal, e devido a imunidade baixa, estava constantemente gripado, com febre e o nariz sempre escorrendo. Babava muito, e também sofria de uma diarreia crônica, que tinha dias de não haver fraldas e roupas suficientes!
Era epilético, e portava um certo grau de Altismo. Reagia agressivamente com mordidas fortes quando se sentia contrariado. Não tinha controle nas mãos e jogava no chão tudo que era colocado à sua frente.
Chegada a sala de aula
As crianças foram avisadas das limitações e condições do Mateus, elas reagiram com naturalidade e o receberam com muito carinho e boa vontade. Todos procuravam agrada-lo, acaricia-lo, ofereciam todo tipo de ajuda e brincavam muito com ele.
"Eu ficava com ele no fundo da sala, num cercadinho improvisado. Ele não tinha condições de ficar sentado carteira como as outras crianças: seria perigoso no seu caso!"
A maior resistência veio dos adultos, que muitas vezes ao olha-lo diziam, credo, ninguém merece ter uma coisa dessa na sua sala! Por vezes me falavam: Dna Leni, dá uns tapas neste moleque, quero ver se ele não fica quieto!..
Na convivência do dia-a.dia
Quando a professora dele faltava, na hora de distribuir os alunos, não raro se ouvia:
ah, não venha com isso pra cá! Por favor, não me entra com isso aqui! Eu não quero isso na minha sala! Ai, sai com isso daqui! Era muito triste....
Diante de tudo isto, eu vi que para cuidar bem dele e protegê-lo, só me restava um caminho, fazer de conta que ele era meu filho; e assim eu o fiz...
....Passaram-se seis meses...
E dentro de suas limitações, e nas condições da escola, o menino Mateus consegui se desenvolver e atingir um certo grau de aprendizado
Passou a olhar nos olhos, a sorrir, atendia quando chamavam o seu nome, e gostava de brincar de roda "Que aliás, foi sua primeira brincadeira". Seu maior encantamento era ver as crianças brincando, fazendo piruetas, virando estrela, dando cambalhotas e correndo. Vibrava de alegria com o futebol; amava a bola e o gol. Foi assim que criou e adquiriu equilíbrio, começou a andar melhor: ficou mais hígido!
Descobriu que podia pular: quando eu ia troca-lo, pulava sem parar e ria de felicidade.Tentava correr, subia os degraus do palco,
"Que era o lugar aonde eu permanecia com ele a maior parte do tempo."
Aprendeu a subir nas cadeiras, nas mesas e também gostava de abrir as torneiras, pois como toda criança, adorava brincar na água.
Se alimentava muito bem: Tive a felicidade de ver a primeira vez que ele pegou na colher e tentou por a comida na boca.
Também tive a felicidade de vê-lo balbuciar a sua primeira palavra:
"Um dia, de repente quando estava sentada no palco com ele no colo, o professor de educação física se aproximou e ficou de costas com a bola no braço, ele apontou com a mão e disse: boba!
Sabia da hora de ir embora, ficava contente porque gostava de andar de perua.
"Ao final do ano suas feridas desapareceram devido ele tomar sol todos os dias. Sua imunidade aumentou, criando assim, mais resistência no organismo e como consequência melhorando o quadro de saúde."
A cada descoberta, a cada melhora, a comemoração era geral.
A escola toda, como também toda a comunidade, vibravam com progresso do Mateus.
"Era como se fosse uma plateia torcendo a cada dia pelo seu sucesso"
Bom, como eu resumi tudo isso?
Em uma canção de ninar que eu fiz para ele, baseada em seu próprio desenvolvimento, e na rotina diária dele na escola e das horas que passamos juntos.
A música chama-se Canção para Mateus
"No ano seguinte fiquei sabendo que com a ajuda da escola, Mateus foi transferido para a AACD"
Leninisia Alencar
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